Edicões Gambiarra Profana/Folha Cultural Pataxó

domingo, 6 de maio de 2012

TREM DA ILUSÃO


                                                                
             Hoje é só um dia que o trem não irá enfeitar sua vida.  O dia amanheceu sem alegria,  a chuva embaça a janela por onde seus olhos procuram o céu para saber se está claro para poder sonhar com seu trem no quintal. Hoje a chuva embaça seus sonhos de liberdade no apito que invade o espaço cortando o ar com a delicadeza de sua voz. Seus olhos já estão embaçados como a janela pelas lágrimas que escorrem pelo rosto, pelo desgosto.
             Nesses dias de chuva o pequeno quintal de sua casa passa ser como um horizonte longe demais, então sua sala seria o lugar para seu  trem. Se tivesse um trem de brinquedo, pegaria a máquina e tiraria a poeira com um pequenino espanador, pegaria uma flanela e daria um brilho para ficar bonita como uma princesa de aço, limparia o vagão de lenha e depois os vagões de carga, que seriam dois e por fim os três de passageiros, sim, seria um trem grande, bonito, vistoso. Armaria a estrada de ferro pela sala, emendando pedaço com pedaço, sem pressa, passando a estrada por trás da estante, do sofá, das poltronas e pelo meio da sala, ali seria como o deserto, uma pradaria sem fim, cercada de nada por todos os lados, pelos fantasmas da sede e da solidão, pela noite fria e pelo dia escaldante, com o sol brilhando com toda sua beleza e sua força, assim os passageiros iriam sentir toda a solidão que existe no deserto, no deserto dos lobos, das pessoas, dos poetas, até a caixa d’água, sim, ele não esqueceria a caixa d’água no meio do deserto, ela iria matar a sede do trem e das pessoas, sua sede de brincar, sua sede de amar cada pedaço do trem, sua sede de viver cada minuto da sua infância, depois de matar a sede todos iriam seguir viagem pelo meio da sala, meio do nada, do quadro pintado ao seu redor,  medo de ficar só.Depois de algum tempo de viagem, iriam avistar o povoado, o trem apitando, as pessoas se aglomerando na estação, estação onde chegavam sonhos, de onde partiam sonhos, estação de todos, estação de ninguém, estação de trem, mas não havia trem, apenas uma sala vazia, vazia como sua infância, por onde perambula, por onde só pode ficar com seus pensamentos de um dia ir adiante. Seu olhar só quer fitar os pingos da chuva, tentar enxergar quando passar, para saber se ainda poderá viver, poderá brincar, brincar com seu trem feito de madeira, pedaços de madeira, feito de imaginação, feito de coração, então quando a chuva passar, correrá para o quintal, nem mesmo esperará a terra secar, e montará seu trem com os pedaços de madeira, com os pedaços de sua história, que um dia há de se montar e se mostrar.
             O menino ficou ali observando a chuva pela janela embaçada, as nuvens negras que escondiam o sol, que cobriam o céu, os raios que cortavam sua esperança, como a realidade adulta corta os sonhos de criança. A noite caiu, não tinham estrelas, olhou mais uma vez pela janela, sentiu o frio do desencanto e resolveu entregar-se ao sono, deitou-se desejando sonhar com um dia de sol, que enfeitaria seu quintal para poder sentir alegria no seu coração e montar seu trem de madeira, seu trem feito de ilusão.

Arnoldo Pimentel


Esse conto faz parte da Trilogia dos Meninos

10 comentários:

  1. Puxa, muito legal o ritmo do conto, como se fosse uma locomotiva seguindo nos trilhos. E o apito seria nosso suspiro ao término do parágrafo.

    "seu trem feito de ilusão"

    Muito bom, Arnoldo!

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  2. Ai,que triste,mas muito lindo seu conto!Os adultos acabam mesmo com os sonhos das crianças!Por isso é bom preservar na gente um pouco desse menino!bjs,

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  3. Olá Arnoldo
    Muito bonito, emocionante a descrição da estação de trem, emocionante o conto inteiro, parabéns. Um abraço, fica com DEUS!

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  4. Volta lá no blog, pois o que tinha pra te falar coloquei num post dedicado a ti. Como diz Simone Martins, te amodoro meu amigo.
    Sou tua fã.
    Xero!

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  5. De certo o meu trem haveria de passar, mas com o intuito de me dar uma carona pra sair do meu mundo de ilusão, me levando para fora, me tirando da solidão. Me levaria pra bem longe, mostrando-me outras paisagens, pintadas de aquarelas de preferencia por minhas próprias mãos. Um mundo diferente, a alegrar a gente nos tirando da depressão. Bjim, lindo conto!

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  6. Quantas vezes embarcamos neste trem de ilusão, aquele que deixamos em pequeninos... adorei a história, duma sensibilidade imensa.

    beijos Arnoldo
    cvb

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  7. Bom dia!
    Adorei seu texto.Simplesmente emocionante.
    Que Deus te abençoe sempre.
    Grande abraço
    se cuida

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  8. Muito lindo e fiquei aqui, sentindo as sensações e emoções do menino! abração,lindo dia!chica

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  9. Emocionante
    Triste e desesperançada
    Como a própria vontade de uma nova infância

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  10. OI ARNOLDO!
    UM CONTO NOSTÁLGICO E MUITO BONITO.
    ESTE TREM, NA VERDADE ESTÁ PARADO NA ESTAÇÃO DA SAUDADE, MAS, ACHO QUE DE UM MOMENTO PARA OUTRO PODERÁ PARTIR A PROCURA DE NOVOS HORIZONTES.
    ABRÇS

    zilanicelia.blogspot.com.br/
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