Houve um tempo que me dediquei ao futebol, como técnico e também como diretor
de escolinha para garotos até 14 anos. No ano de 2001, eu e um amigo professor
iniciamos um projeto para ensinar futebol e cidadania para garotos entre doze e
quatorze anos, no começo eram 12 garotos e no final em 2006, quando deixamos o
projeto com outros amigos, tínhamos cinquenta e oito garotos entre sete e
quatorze anos. O professor ficava basicamente com a parte de campo e eu com a
organização e um pouco de campo, e todo fim de semana tínhamos treinamento e
também partidas amistosas com outros projetos. A parceria entre eu e o
professor sempre deu certo, apesar termos visões diferentes em algumas coisas,
como o tratamento aos garotos, ele era totalmente profissional, não se
envolvendo em nada a não ser ensinar a prática do esporte e cidadania, enquanto
eu me envolvia muito com os garotos, procurando saber junto às famílias sobre
estudo e comportamento, com isso eles tinham em mim um amigo de todas as horas,
e acho que por isso minha parceria com o professor sempre deu certo, pois além
de amigos, nos entendíamos perfeitamente dentro do que fazíamos, apesar de
opiniões diferentes em alguns pontos.
Todo sábado e domingo eu saia de casa com o material, bolas, uniformes, e
alguns garotos me acompanhavam, pois residiam por ali, e foi num desses dias
que vi na esquina um garoto pequeno, bem pequeno, uma chuteira na mão e um
sorriso no rosto e me perguntou se poderia ir, respondi que sim, mas precisaria
de uma autorização do responsável, no caso dele o pai, por escrito e assinada e
assim ele entrou para o time. Quando chegamos ao clube, os outros garotos logo
o chamaram de Romarinho, talvez por ser baixinho, mas assim passou a ser
conhecido no projeto. Todas as categorias eram divididas por idade, e Romarinho
ficou na categoria dele. Todo fim de semana, quando eu saia de casa por volta
das seis da manhã para ir à padaria, lá estava Romarinho, sentado na calçada de
sua casa com a chuteira na mão, eu falava que estava cedo, ele falava que já
estava pronto e que iria fazer um gol, seu sonho era fazer um gol para o pai
ver, mas o pai de Romarinho trabalhava todo fim de semana e não podia ir, mas
ele sempre falava hoje vou fazer um gol pro meu pai ver, o pai não ia e o gol
também não saia. Como Romarinho era menor e menos experiente, geralmente ficava
na reserva, mas sempre entrava, corria, brigava, chutava, mas o gol não saia.
Um dia quando eu passava pela rua para ir a padaria pelas seis da manhã e vi
Romarinho sentado na calçada de sua casa, senti algo no coração, acho até hoje
que foi um toque de Deus, e pensei hoje é o dia, alguma coisa me falava que
naquele dia o gol sairia, o gol tão esperado, o gol tão sonhado, tão
acreditado. Esperei o pai do garoto sair para o trabalho e fui falar com ele,
pedi para ir no jogo, era importante pro menino, e seria na parte da tarde, as
15 horas, era festa de aniversário do projeto e teríamos um projeto amigo
convidado, ele falou que tentaria ir. O jogo começou às 15 horas e o pai do
Romarinho ainda não havia chegado, mas do campo, no banco de reservas ele
olhava todo momento para a arquibancada, esperando ver o pai ali, torcendo por
ele, acabou o primeiro tempo, descanso, menino impaciente, com os olhos
procurando seu pai, o segundo tempo começou e ele entrou em campo, o jogo
corria e lá pela metade do segundo tempo, o pai de do menino entrou no clube,
sentou-se na arquibancada e ficou torcendo pelo filho, que do campo o viu na
torcida, nessa hora ele começou dar mais ainda de si, as gotas de suor
escorriam pelo corpo, tanto que antes do final estava cansado, o professor
olhou pra mim e falou que iria substituir o Romarinho, então lhe pedi pela
primeira vez, pois o professor tem a responsabilidade, autonomia, e eu jamais
interferia no seu trabalho de campo, mas falei com ele, deixe o Romarinho e
assim foi feito, o menino ficou em campo. Quando faltavam uns cinco minutos
para o final, houve uma roubada de bola no meio do campo, e esta foi passada
para o Mateus, ele tinha dois adversários pela frente, poderia passar por eles
em direção ao gol, tinha plenas condições disso, mas jogou para a direita e
levou até o fundo, lançou para o meio, a bola veio cortando a área, pernas
tentando alcançar, em vão, o goleiro mergulhou esticando as mãos, mas não alcançou,
foram quando o menino franzino veio correndo pela esquerda, o nome dele,
Romarinho, estava ali a sua frente o gol esperado, sonhado, perseguido, o pai
levantou-se na arquibancada, pescoços se esticaram, mãos acenaram, todos
torcendo, uns contra, outros a favor, e a bola sorrateira como ela, cortava a
grama em direção aos pés de Romarinho, ele chegou chutando, naquele momento,
houve um silêncio, a bola viajou em direção ao gol, cortando o vento, cortando
o tempo, o vácuo entre a alegria e a tristeza, segundos de incerteza, Romarinho
olhando com os olhos arregalados e mãos cerradas, e então a bola balançou as
redes, finalmente o gol, perseguido, sonhado, tudo parou, a única imagem que
existia era a do garoto franzino correndo para as grades, agarrando-se nas
grades, subindo pelas grades como se fosse alcançar o céu, gritando para o pai,
eu fiz um gol, eu fiz um gol, eu fiz um gol.